Os caminhos para as clínicas na “Década de Ouro da Reprodução Assistida”
Erivelton Laureano
O mercado de reprodução assistida (como o conhecemos hoje) tem pouco mais de 40 anos e surgiu com o nascimento do primeiro bebê de proveta em 1978 na Inglaterra Louise Brown. Nascia também o que viria a ser conhecida como a primeira clínica de reprodução assistida do mundo, a Bourn Hall Clinic que passou a ser referência para as demais clínicas que viriam a ser construídas.
Um dos fatores de sucesso para a Bourn Hall foi uma abordagem profissional desde o princípio, o que viria a ser decisivo para a evolução do modelo do que hoje conhecemos como gestão acolhimento profissional em reprodução assistida.
Alan Dexter, foi o primeiro gestor profissional de uma clínica de reprodução assistida e responsável por estruturar um plano de negócios, prospectar investidores, conseguir os investimentos e finalmente inaugurar a Bourn Hall.
Eu diria que naquele momento sem o plano de negócios e os fundos de investimentos, possivelmente a primeira clínica de reprodução assistida não teria sido criada. Afinal começar qualquer negócio do zero é se expor ao fracasso a maior parte do tempo e erguer uma clínica de reprodução assistida diante das enormes barreiras existentes naquela época, era quase impossível.
Mais de 40 anos depois, o chamado IVF market é um business global e promissor que vale mais de U$ 22 bilhões-ano em 2022 e projeta um faturamento U$ 37,4 bilhões até 2030, de acordo com um novo relatório da Grand View Research.
Nos Estados Unidos o processo de profissionalização do setor de reprodução assistida é uma realidade e tem sido benchmarking global com grande parte de todas as clínicas com volume de negócios já estarem conectadas a grandes grupos investidores. Apenas como exemplo, todas as unidades federativas possuem serviços de reprodução assistida, logo o acesso dos pacientes às tecnologias reprodutivas, do ponto de vista geográfico, já foi superado. Nenhum cidadão precisa sair de seu Estado para acessar assistência reprodutiva. Já no Brasil os Estados de Rondônia, Acre, Roraima, Amapá não possuem serviços (privados ou públicos) de reprodução assistida. Em alguns Estados existem somente uma clínica privada na capital.
América Latina, o Brasil é lider com quase 50% de mercado
Em reprodução assistida o Brasil é lider na américa latina com mais de 45% de todos os tratamentos realizados e se consolida como uma plataforma de negócios das operações para esta região. O mercado brasileiro abarca mais de 214 milhões de pessoas que projetam um mercado estimado em mais de R$ 2.2 bilhões em 2022 segundo dados da IVF Brazil.
O negócio da reprodução assistida se desenvolve por motivos que a Sociedade Europeia ESHRE demonstra:
Um em cada seis casais em todo o mundo experimenta algum tipo de problema de infertilidade pelo menos uma vez durante sua vida reprodutiva;
A prevalência atual de infertilidade com duração de pelo menos 12 meses é estimada para afetar entre 8-12% em todo o mundo para mulheres com idade entre 20-44;
20-30% dos casos de infertilidade são explicados por causas fisiológicas em homens, 20-35% por causas fisiológicas em mulheres, e 25-40% dos casos são devido a um problema em ambos os parceiros. Em 10-20% dos casos de infertilidade nenhuma causa é encontrada;
A infertilidade também está associada a fatores de estilo de vida como tabagismo, peso corporal e estresse;
A maioria dos tratamentos de ART ocorre em mulheres com idade entre 30 e 39 anos;
E vai muito mais além, pois cresce exponencialmente a procura por congelamento de óvulos por motivos sociais, gerando um mercado imediato, pelos procedimentos da coleta, congelamento de óvulos e anuidades de manutenção do material reprodutivo nas clínicas até que os pacientes retornem no futuro a finalização do processo de fertilização in vitro e transferência embrionária. O mercado de congelamento de óvulos é potencialmente maior que o atual mercado de FIV – fertilização in vitro por diagnóstico da infertilidade.
Por outro lado, também cresce a procura de clínicas de fertilização in vitro por parte dos pacientes LGBTQA+ e outros perfis de pacientes tais como os chamados single moms e single dads, pessoas que somente querem ser pais, sem necessariamente ter um par fixo, nestes casos, aumenta a busca por dos bancos de gametas masculinos e femininos incluindo a importação destes, tornando o Brasil muito interessante para as operações de organizações internacionais interessadas em ofertar sêmen e óvulos. Segundo dados da IVF Brazil dos tratamentos de fertilização in vitro no Brasil, cerca de 10% demandam uso de sêmen de terceiros e 20% precisam de óvulos doados, fazendo surgir uma indústria milionária e altamente regulamentada, os bancos de gametas.
Investidores internacionais já perceberam este cenário
Em março de 2022, maior gestora de ativos do mundo, a KKR, adquiriu a rede mundial de clínicas de fertilidade IVI-RMA com mais de 100 clínicas de reprodução assistida nos Estados Unidos e Europa por mais de 3.000 bilhões de euros para fundi-la com a Generalife, outra rede de clínicas com sede na Itália e que realiza mais de 40.000 ciclos de FIV por ano em 7 países na Europa. Agora a como líderes e com operações nos Estados Unidos a IVI-RMA-GeneraLife quer ir além e deve incomodar outros grupos que pretendem seguir o mesmo caminho, ou seja, consolidar e liderar o mercado global. Alguns deles: Inception (USA), Shady Grove (USA), Eugin (Global), Virtus (AU).
No Brasil, assim como aconteceu em todos os demais países, as operações de reprodução assistida vão falir, ser herdada, ser vendida ou necessariamente terão que comprar outras clínicas, não existem alternativas extras.
Os “tubarões” querem as operações em reprodução assistida
As operações das clínicas de reprodução assistida chamam a atenção de grupos de investidores nacionais que se movimentam na corrida por ativos que tenham volume, capilaridade, robustez administrativa e capacidade de gerar recorrência, o que aumenta a atratividade. Porém, algumas barreiras têm se tornado frequentes, dentre elas, destaco:
Despreparo dos médicos e proprietários das clínicas para interagirem com os “tubarões” o que poderia desencadear o aceite de uma proposta inferior quanto ao múltiplo aplicado ao EBITDA, o que impactaria diretamente no valor final do negócio e não favorecer tanto o médico e empreendedor;
Falta de robustez dos números e processos administrativos informalizados, gerando demora e até desistências de ambas as partes;
Baixo controle emocional dos negociadores (das clínicas) para se desfazerem dos “seus” negócios familiares. Geralmente os maiores receios são quanto a trocar o nome da clínica, quem são as outras clínicas que fariam parte do grupo, qual seria a posição na nova estrutura a ser ocupada, qual o tipo de autonomia quanto à adoção de protocolos de tratamento ou liberdade de alterações no protocolo clínico e até mesmo se os médicos poderão participar de congressos médicos, pesquisas cientificas dentre outros;
Pluralidade de sócios com diferentes objetivos quanto ao futuro do negócio de reprodução assistida;
Como contornar as barreiras:
Definir o momento em que a clínica se encontra quanto ao negócio em sí. Se está estagnado e não consegue crescer organicamente e necessita de aportes para retomar o crescimento.
Considerar a maturidade empreendedora dos sócios proprietários, uma vez que alguns podem estar interessados em um novo modelo de negócio, porém outros podem estar apegados a sentimentos e saudosismos de um mercado que deixou de existir ou ainda podem não estar dispostos a trabalhar com menos liberdade e mais regras administrativas na hipótese de evoluir para um gestor investidor profissional;
Conversar abertamente sobre o futuro do negócio e como cada um percebe os diferentes cenários, alinhando as expectativas e como lidar com adversidades nos negócios, mesmo que seja somente no campo das hipóteses;
Escolher interlocutores profissionais que entendam e não sejam aventureiros no mercado de reprodução assistida. Não é o fato de ter tido sucesso em outros mercados que garantiria o sucesso hoje. Estes interlocutores devem representar os interesses das clínicas na relação com investidores.
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